Sumários
Quantificação de Modificações Pós-Traducionais em Proteómica
27 Maio 2025, 14:00 • Federico Herrera Garcia
Professor convidado: Veit Schwämmle, Universidade do Sul da Dinamarca
Hoje abordámos como a proteómica moderna permite não só identificar, mas quantificar modificações pós-traducionais (PTMs) nas proteínas, um aspeto fundamental para compreender a regulação celular além do genoma e transcriptoma.
1. Introdução à proteómica e relevância das PTMs
Começámos por relembrar que o proteoma — o conjunto
total de proteínas numa célula, tecido ou organismo — vai muito além da
informação codificada no DNA, pois inclui variações decorrentes de
tradução, degradação, turnover e, sobretudo, as modificações
pós-traducionais.
As proteínas são as protagonistas fisiológicas e patológicas; muitas
vezes, alterações não podem ser deduzidas diretamente do RNA ou DNA, por
isso a análise proteómica é central para biomarcadores, monitorização
de doença e terapêutica.
2. Estratégias analíticas e espectrometria de massa
Explicámos que a estratégia mais comum é a abordagem "bottom-up", digerindo proteínas em péptidos para análise por espectrometria de massa (MS/MS). Os métodos de fragmentação e a análise de iões precursores e fragmentos permitem identificar e quantificar péptidos—incluindo variantes PTM—com grande sensibilidade, mas geram enormes volumes de dados.
3. Identificação automatizada de PTMs e desafios bioinformáticos
Vimos que a identificação de modificações
pós-traducionais, pelo seu efeito na massa dos péptidos, requer
algoritmos e bases de dados teóricas robustas. As pesquisas automáticas
contra bases de dados consideram constantemente margens de tolerância de
massa, especificidade enzimática, e o número de clivagens ou
modificações esperadas.
Falámos ainda na dificuldade de inferir a proteína a partir de poucos
péptidos identificados, e no problema dos péptidos partilhados entre
proteínas diferentes.
4. Quantificação e ajuste dos resultados
Mostrei como, para quantificar PTMs, é fundamental
comparar os níveis de péptidos modificados versus não modificados, e
ajustar para as variações do próprio nível da proteína.
Sublinhámos a diferença entre medir apenas a abundância do péptido
modificado e interpretar variações relativas, tendo em conta se a
alteração observada advém da regulação da modificação ou de flutuações
globais na proteína.
5. Testes estatísticos e análise dos dados
Analisámos ferramentas bioinformáticas como Perseus,
MSqRob, MSstats, PolySTest e métodos clássicos como LIMMA que permitem
testar, de forma robusta, diferenças significativas entre condições e
tratar o problema das "missing values", frequentes em proteómica
quantitativa.
O ensino da aula colocou ênfase na complementação de diferentes testes
para distinguir entre alterações reais e falsos positivos, especialmente
quando os dados apresentam abundância baixa ou muitos valores ausentes.
6. Interpretação biológica: para além dos dados crus
Discutimos como a interpretação biológica envolve
associar grupos de proteínas reguladas a vias, redes ou complexos,
usando ferramentas de análise funcional, clusters, análise de séries
temporais, etc.
Debatemos o valor único da proteómica na identificação de alterações na
abundância relativa de subunidades de complexos, muitas vezes não
previsíveis a partir do transcriptoma.
7. O desafio dos complexos proteicos e co-regulação
Mostrámos exemplos — incluindo bancos de dados como
CORUM, Complex Portal, ProteomicsDB — onde a co-regulação de
subunidades, a variabilidade de composição dos complexos e fenómenos de
"crosstalk" entre PTMs podem ser estudados pela análise quantitativa
global.
Abordámos ferramentas como CoExpresso e ComplexBrowser, que permitem
avaliar a co-expressão de subunidades e detectar padrões que ajudam a
entender estados funcionais ou alterações patológicas.
8. Análise de crosstalk entre PTMs
Terminámos mostrando que as PTMs não agem isoladamente: a coocorrência ou exclusão mútua de diferentes PTMs na mesma proteína — o chamado crosstalk — pode ser inferido por métodos matemáticos e bancos de dados (como CrosstalkDB) e torna-se crucial para compreender a regulação fina das funções proteicas—particularmente bem estudado nas histonas e na regulação epigenética.
Progenitores Gliais e a Recidiva do Meduloblastoma
26 Maio 2025, 12:00 • Federico Herrera Garcia
Professora convidada: Jezabel Rodriguez-Blanco (Medical University of South Carolina)
Nesta aula/seminário, analisámos porque o meduloblastoma, o tumor cerebral maligno mais comum em crianças, recidiva frequentemente após tratamento, focando nos mecanismos celulares e terapias alvo mais recentes.
1. Contexto e tratamento convencional
Começámos por recordar que os tumores cerebrais são a
principal causa de mortalidade oncológica pediátrica, e que o
meduloblastoma surge quase sempre no cerebelo.
O tratamento-padrão inclui cirurgia, radioterapia e quimioterapia, mas
apesar da eficácia inicial, os efeitos secundários são devastadores
(défices mentais, surdez, mutismo...).
A necessidade de terapias mais dirigidas e menos tóxicas é enorme.
2. Subgrupos e estratificação molecular
Discutimos a classificação moderna pela Organização Mundial de Saúde em quatro subgrupos de meduloblastoma—WNT, SHH, Grupo 3 e Grupo 4—com base em perfis de expressão génica, alterações cromossómicas, mutações e prognóstico clínico, possibilitando ensaios clínicos mais personalizados.
3. Sinalização Sonic Hedgehog (SHH) e oncogénese
Demos especial destaque ao subgrupo SHH, responsável por cerca de 30% dos casos.
Expliquei a via de sinalização SHH (PTCH, SMO, SUFU, GLI) e como
mutações em genes reguladores (PTCH, SMO, SUFU, amplificações de GLI2 ou
MYCN) promovem proliferação desregulada na camada externa de células
granulares no cerebelo, contribuindo para o desenvolvimento do tumor.
4. Resistência terapêutica após inibição de SMO
Examinámos os mecanismos pelos quais os tumores do
subgrupo SHH recuperam/recidivam mesmo após terapias-alvo com inibidores
de SMO (Vismodegib, Sonidegib).
Expliquei que frequentemente surgem mutações no próprio SMO ou ocorre
ativação de vias a jusante (GLI1, GLI2) — mantendo o sinal ativo apesar
do tratamento.
Salientei dados de imagiologia e ensaios clínicos que mostram rápida recidiva tumoral pós-inibição de SMO.
5. O papel dos progenitores gliais SOX2+
Mostrei resultados de investigação recentes indicando
que células progenitoras gliais SOX2+ e com expressão de GLI resistem à
inibição de SMO—formando um “reservatório” de células capazes de
reavivar o tumor.
Expliquei, com recurso a dados de linhagens murinas e cortes de tumores
humanos, que estas células continuam a proliferar (marcadas por SOX2,
GLI1/2, GFAP), mesmo sob tratamento standard.
Estas células com assinatura de astrócitos (SOX2+, GLI+) são claramente
resistentes ao tratamento convencional com inibidores de SMO.
6. Inibição de GLI como abordagem inovadora
A aula detalhou experiências em culturas e modelos de
rato, mostrando que inibidores de GLI ou BET (como I-BET151, JQ-1)
conseguem suprimir a proliferação das células SOX2+/GLI+ e atrasar (ou
mesmo impedir) a propagação do tumor e a recidiva.
Demonstrou-se que estes fármacos reduzem significativamente a população
astrocítica SOX2+ e a formação de esferas primárias e secundárias
tumorais.
7. Implicações clínicas e perspetivas futuras
A conclusão da aula foi clara: a recidiva do
meduloblastoma SHH está associada a células progenitoras gliais
resistentes à inibição de SMO.
Só uma terapêutica dirigida a níveis a jusante (GLI/BET) tem potencial para erradicar estas células e evitar a recidiva.
Apelou-se ao desenvolvimento de ensaios clínicos com estes inibidores e à
caracterização detalhada das populações celulares tumorais para
personalizar e melhorar o tratamento.